• Escritora cubana Teresa Cárdenas debate escrita negra na literatura

  • Voltar
27 de setembro de 2018 por 

Por Romênia Gomes e Joedson Kelvin

No Brasil, desigualdade racial já não é surpresa para ninguém. Em 2014, pesquisa do IBGE revelou que 76% dos mais pobres da sociedade brasileira são negros. A literatura é mais um espaço que evidencia esse problema, que se dá tanto na falta de escritores negros quanto na falta de personagens negros nas obras. Apesar dessa ausência, o problema não acontece devido à não existência de pessoas negras escrevendo, mas por consequência de um mercado que invisibiliza a produção de autoria negra.

Durante o IX Artefatos da Cultura Negra, a Universidade Federal do Cariri recebeu debaixo da Moringa, local de encontro dos estudantes, a escritora cubana Teresa Cárdenas Angulo para a roda de conversa “Produção Literária com a temática negra em Cuba”.  

Falando em espanhol de suas experiências enquanto escritora negra, Teresa afirmou que, apesar de não ter formação acadêmica específica, suas histórias literárias não perdem a força e o poder de falar sobre o povo negro. Ela contou que trabalha com a intuição do que pode ser uma história, com a preocupação de quem a história irá emocionar e depois é um “cataclisma” de investigação sobre a temática que irá tratar.

Foto: Romênia Gomes

Foto: Romênia Gomes

Apesar de já ter escrito poemas e contos, Teresa conta que sua primeira obra foi o livro Cartas para Minha Mãe (1997), ganhador do Prêmio David e do Premio de la Crítica – Cuba. A história  retrata os sofrimentos de uma jovem negra cubana que após perder a mãe vai morar com a tia.  Coisas como sua cor de pele, seu jeito e seu cabelo passam a ser criticados. A personagem então começa a escrever cartas para a mãe sobre o que está sentindo para conseguir superar tudo e sobreviver com a lembrança do amor materno.

A pesquisa intitulada “Personagens do romance brasileiro”, coordenada pela professora  Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília (UNB), revela dados de publicação de romances nas principais editoras brasileiras. Entre 2004 e 2014, apenas 2,5% dos autores publicados não eram brancos. Não mais que 6,9% dos personagens retratados nos romances eram negros, e destes, somente 4,5% eram protagonistas da história. Entre 1990 e 2004, o top cinco de representação de pessoas negras era: bandido, empregado doméstico, escravo, profissional do sexo e dona de casa.

O estudo mostra a continuidade de um cenário de dominação branca, que não ocorre apenas na literatura, mas também em outros setores da sociedade brasileira. Além disso, a pesquisa também tornou evidente os estereótipos de criminalidade, trabalho subalterno e sexualização que perseguem os sujeitos negros.

Quem estava presente pôde ler alguns dos versos literários do livro “Cartas para minha mãe”, escrito por Teresa. A escritora convidou pessoas da plateia para ler em português trechos do livro selecionados por ela. A obra foi traduzida e publicada no Brasil.

Um exemplo de mudança e renovação no cenário literário, foi o surgimento da editora Malê, nome inspirado na revolta dos malês, ocorrida em 1835. A editora é voltada para a publicação literária de autoria negra, e é através dela que a renomada escritora Conceição Evaristo vem publicando seus último livros. É de autoria dela a criação do termo ‘escrevivência’, que designa o ato de escrever-se, falar de suas vivências, podendo ser da sua história particular ou coletiva.

Foto: Romênia Gomes

Foto: Romênia Gomes

A escritora ainda afirmou “só as mulheres negras podem falar de si, e se ela não falar ninguém mais vai, por isso, escreva”. Para além das trocas sobre literatura negra, o momento se tornou um espaço para apresentação de dança e música afro-cubana, com perfomance da própria escritora. Confira um pouco:

 

A escritora cubana ainda falou sobre afrodescendência na literatura infantil e juvenil do Brasil e Cuba, e pontuou a urgente necessidade de personagens negros nos livros para que leitores jovens possam se reconhecer. “Nós somos impressionáveis e vulneráveis face a uma história, principalmente quando somos criança”, afirma Chimamanda Ngozi Adichie em sua  palestra “O perigo de uma única história”, no TED Talks.

 

NotaNoticiaNoCampus

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *