Meu primeiro impulso era trocar de apartamento e ir para uma casa maior, mas aquele homem de voz grossa, expressão séria e de aparência taciturna me punha medo e eu desistia. O homem era meu marido. Um dia estava com raiva, mais temida que o bando de Lampião, examinei o espaço da casa, peguei o telefone, disquei os números e liguei para imobiliária. A pessoa que atendeu me deu uma lista de endereços para locação, falou dos preços e passou todas as instruções. Em meia hora meu marido chegou em casa e perguntou o que eu tinha feito durante o dia. Respondi que tinha feito às mesmas coisas de sempre, mas por dentro uma leve dor na consciência por ter omitido a ligação.
Observando a estreiteza do lar vi que as coisas estavam acomodadas em seus curtos espaços, algumas reviradas, outras empilhadas, foi como se de repente eu estivesse disposta a deixar aquele cenário em ruínas, aquele lugar que realmente era um lar. Imaginei os homens da mudança arrastando o armário, arranhando os pés do fogão e percebi que me sentia feliz ali. A porta aberta da área de serviço revelava um piso sujo pelos dejetos do meu porquinho-da-índia e então não tive mais duvidas. À tardinha, de pé na varanda, vi um pobre diabo bêbado passando na rua. À noite o botequim da esquina já estava repleto de bebedores de cerveja e aguardente e eu lá de cima pensava se eles tinham ao menos aspirina nos bolsos para se curarem da ressaca.
– Quarenta, é quarenta reais!
Um grito entrecortou meus ouvidos atentos ao movimento do bar. De longe parecia uma mera discussão com um dos clientes sobre o não pagamento das bebidas.
– Você vai me pagar o dinheiro senão vou chamar a polícia!
Um par de óculos foi sacudido na calçada e as coisas ficavam mais sérias. A essa altura eu já havia descido as escadas e estava em frente ao portão de olho nos acontecimentos. O caloteiro esticou-se no balcão e agarrou o colarinho do vendedor, apertando seu pescoço. Na tentativa de se defender ele agarrou a garrafa mais próxima e o vidro estilhaçou na cabeça do caloteiro embriagado que agora se contorcia no chão. A vizinhança já estava em frente ao bar, como urubus sobrevoando carcaças podres, movida pelos alaridos, zunidos e baques.
– Alguém chamou a polícia?
O dono do bar balançou a cabeça afirmando que sim, enquanto ajeitava sua camisa e massageava o pescoço roxo. O agressor rastejou até a calçada, sangrando pela testa, levantou e seguiu cambaleando na rua, mas depois de alguns passos foi surpreendido pelo carro da polícia que o levou de imediato. A plateia se desfez, uns riam e outros reclamavam da falta de sossego da rua, do calor que estava fazendo, da demora da polícia. Eram tantos fatores que eu ponderava na mente e sabia que não encontraria lugar melhor ou pior que aquela rua curta, que aquele apartamento estreito. Tudo voltara à normalidade e tudo que eu havia presenciado dera sentido e preenchera o espaço curto da rua.