• Uma amizade sem limites

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24 de abril de 2014 por 

Na sociedade atual, onde a tecnologia pauta o cotidiano das pessoas pela sua comodidade, os relacionamentos tendem a ser cada vez mais efetivados através da Internet. O fluxo de pessoas e estímulos provocados, tem preocupado muitos, nessa hora pensa-se em orientação. Entretanto, orientar alunos e professores quanto ao relacionamento virtual entre eles, não parece um pouco castrador? Para Lígia Leite, pedagoga especialista em Tecnologia Educacional, limites na relação online entre educadores e suas turmas, é necessário. “A pergunta atual é, qual é o papel do professor nessa era de redes sociais. Hoje, está todo mundo fazendo o que quer, não existe um consenso e deveria existir”, diz.

Orientar alguém de algo, é dizer a ela até onde ela deve ir, certo? Mas, quais são, para quais fins, quem determina esses limites e com quais bases são estabelecidas? A relação aluno-professor online não estaria no âmbito privado? Sempre me pergunto, até onde nossa vida privada é de fato privada. Amizade significa ter liberdade de interagir com o nosso amigo em vias cibernéticas também, de acordo com o que ambos acham adequados; ou não? Essas são questões complexas e discutíveis, afinal professores não seriam acima de tudo gente como qualquer outra? Não seria justo fora da sala de aula terem amizades sem limites com seus alunos? Pelo menos não medido por “terceiros”.

Existe uma preocupação por parte não apenas do professor, mas das instituições de ensino. A boa postura do profissional nessa relação de amizade com o aluno via Internet, parte do fato de o professor ser representante e corresponsável pela “boa imagem” da instituição. Essa pressão da sociedade e expectativas encima dos papéis sociais, torna irreal esse papel quanto a educação no Brasil, e atinge todos os níveis e padrões educacionais. Os rótulos estão em alta, as embalagens parecem mais importantes que os conteúdos, mas ainda necessitamos de uma essência.

Outra questão é o medo de muitos mestres, de perder o respeito dos alunos. Vejo professores tão inseguros, que acaba sendo autoritários, ou mesmo qualquer coisa, menos professores. A amizade fora da sala de aula entre alunos e professores parece uma quebra de autoridade na hora em que se precise se impor, e se comunicar pelas redes sociais significa uma relação perigosa, acesso a intimidade, algo prejudicial para o ensino. Em todo caso, falta maturidade, o que excede qualquer imposição normativa de onde e como deva ser a relação aluno-professor via online.Tais inseguranças provocam danos ao aprendizado e gosto pelos estudos. “É preciso começar por deixar de ser professor para poder sê-lo” (Vernant. 2012). O professor estar em outro patamar, não tem qualquer conversa de âmbito pessoal com o aluno, e este por sua vez, apenas aprende, obedece e repete. As conversas online para chegar acontecer devem ter muitos limites, seja por instituições ou por parte do próprio professor.

Falta muita coisa, falta orientação sim, orientação para que o professor e alunos saibam lidar com essas novas ferramentas e não orientação castradora. Relacionamentos em geral é sempre complexa, uma discussão entre um aluno e professor não deveria ser motivo de um excluir o outro, mas de ambos aprenderem a lidar com as limitações não apenas um do outro, mas do próprio sistema digital que muitas vezes dificulta a compreensão. A pedagogia vai muito além de uma sala de aula. A relação pedagógica é muito mais que cumprir um calendário acadêmico ou plano de ensino, deve ir para além das salas de aula.

Não estamos discutindo optar por ensino ou amizade, não é uma questão de escolha, ambas estão ligadas, porque a pedagogia sempre toca o pessoal. A transmissão de conhecimentos, acontece de ambas as partes nas relações afetivas, e o ciberespaço dá uma nova dimensão a esse processo. Essa amizade acontece na maioria dos casos naturalmente e é assim que ocorre as maiores contribuições na construção de um cidadão de bem, um aprendizado amplo, ajudando na sociabilidade do aluno.

No Brasil ainda podemos nos sentir livres para amizade online com um orientador, diferente dos Estados Unidos que em 2012 colocou em vigor, no estado de Missouri, a lei número 54, que estabelece uma barreira nesta relação virtual aluno-professor, proibindo registros de amizade privada no facebook entre eles. Os alunos até podem “curtir” a página e manter contato com o educador, mas, aos olhos de todos. Entretanto, essa tomada, não se aplica a todo lugar, lá a preocupação é o número de abusos sexuais infantis.

Aqui é um tanto diferente, as relações costumam ser mais efetivas, e por isso mesmo impor limites dessa natureza, seria paradoxal. Somos latimos. Nos abraçamos, brincamos, temos uma dinâmica carinhosa com alunos e professores. Apesar das relações sociais criarem força com a Internet, as instituições de ensino – as mais preocupadas com essa relação – orientam professores sobre a forma adequada de agir nas redes sociais com seus alunos, como o caso da Escola Crescer PHD em Vitória (ES). As ferramentas online só são utilizadas para atividades educacionais internas, com acompanhamento e autorização prévia da escola. Boa utilização, mas também, grande desperdício.

Esse distanciamento mecânico, só rompe o fluxo dos saberes. Não é que os profissionais não devam ter uma seriedade na hora de interagir com seus dissentes e até mesmo privacidade e direito de ter ou não relacionamento interpessoal com eles, mas quem disse que uma amizade nas redes sociais significa postura inadequada por arte de ambos? O anonimato que a Internet proporciona aos seus usuários em muitos casos favorece conversas camufladas que podem estimular conversas inapropriadas? Pode. Tanto em crianças como em adultos. Entretanto, a conduta de cada pessoa independe de mecanismos de comunicação. Esse cuidado deve ser mais problematizado.

O que não se deve ignorar é a importância dessa interação aluno-professor no ciberespaço. Essa aproximação, ajuda no exercício do professor em sala de aula, fazendo-o ter melhor percepção sobre as necessidades de seus discentes, além de influenciar decisivamente a concentração, o sentimento, a memória, a autoestima, o pensamento, a vontade e as ações, e ser, assim, um componente essencial do equilíbrio da personalidade humana, tornando a convivência em sala de aula, mais harmônica, honesta e produtiva.

A afetividade para além das salas de aula, gera uma admiração e respeito maior, a humanidade é sempre admirável. Uma vez gerada essa admiração, e quando claro, o aluno entende que não é por essa amizade que terá privilégios, o crescimento é de ambos. É possível sim uma amizade entre professor e aluno via online de forma saudável, a partir de uma maior liberdade por parte de todos, em especial instituições de ensino. Essa deve acontecer não como resultado de um controle na comunicação, afinal comunicar é apenas uma manifestação de uma relação mais afetiva e efetivamente gerada, é um direito de qualquer individuo e deve ser garantido e estimulada.

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