Folheando um livro meu de filosofia do ensino médio, me deparo com as várias buscas dos primeiros pensadores em encontrar a substância formadora de tudo. Lembro-me do professor que lecionava essa matéria e de suas aulas que eram tudo menos aulas de filosofia. O homem só falava de seus causos e festas. Não sei de que maneira ele queria passar o conteúdo para a sala, mas tenho certeza que ninguém se interessava pela quantidade de cerveja que ele ingeria em uma noite de festa.
Contrariando expectativas, gostava da matéria (já que a maioria da sala ficava querendo estudar química ou biologia – “O vestibular de medicina!”). Do lado pré-socrático, Heráclito de Éfeso me encantava com o seu “pensamento dialético”. A ideia de que a vida é um fluxo constante, impulsionado pela luta de forças contrárias é fantástica.
Naquele tempo, me preocupava em decorar essas teorias para a prova (confesso), mas mesmo assim isso me intrigava. Sentia-me diferente de todos com relação às emoções que apareciam toda vez que tentava pensar sobre como essas teorias poderiam influenciar de alguma maneira minha vida. 17 anos. Essa era minha idade. Obrigada a escolher que profissão me regeria. Sentia-me como uma batuta. Mas quem era o maestro? (Na procura ainda…)
“O ser não é mais que o vir-a-ser”, já dizia Heráclito.
Nunca pensei que um dia me tornaria professora, e de português, logo a matéria que mais odiava. Essa semana, uma aluna me perguntou se em minhas provas ela iria usar lápis e eu falei que não. “Agora é a vez da caneta”. A menina chiou e falou “tia, de caneta é ruim. Bom mesmo é de lápis”. Senti uma onda Heracliana me percorrer, neologista sei, mas de uma grande intensidade. A transição do lápis para a caneta, essa oposição também rege o mundo. Mas meu mundo não é só o do lápis e da caneta. Há vários “devires”.
O livro…
Hoje, quando vejo essa mesma folha do livro que antes decorara para um simples teste, observo que ignorei as mais diversas respostas para minhas perguntas. A antítese presente no pensamento desse filósofo mostra que sou antítese. Resquícios de Florbela e Gregório. Oposições que possuem ou não o mesmo radical.
Sinto saudade e felicidade de ter deixado aquele tempo…
Beijo, caneta. Abraço, lápis.