Por Thamyres de Souza
A universidade, enquanto espaço público, constitui um local onde a diversidade coexiste tanto nos cursos ou grupos que os indivíduos fazem parte, como no modo através do qual se expressam. Porém, determinadas formas de expressão provocam um debate mais potente pela subversividade que lhe é essencial, como é o caso da pichação. A fim de reivindicar vozes que não são a da ordem e da limpeza, é através destes escritos que lados marginalizados encontram uma forma de se fazerem ouvir através da desestabilização que causam.
Como as inscrições em espaços não autorizado são ações comuns, polêmicas colocando em questão a legitimidade dos pichos ocorrem constantemente no campus de Juazeiro do Norte da Universidade Federal do Cariri (UFCA). Igualmente comuns, são as reações que cobrem tais inscrições em nome da limpeza e da ordem. O espaço branco ainda é maioria e aparece como o legítimo na UFCA, uma possível tendência das universidades jovens, que carregam tal jovialidade até mesmo em sua estrutura, como reforça Elane Abreu, professora do curso de jornalismo.
No final de 2017, algumas pichações foram cobertas por iniciativa da Diretoria de Infraestrutura (DINFRA), e poucos dias após tal ação surgiu um pichação que reivindicava a poesia que havia sido apagada.
A ação e a reação geraram um debate significativo em toda a comunidade acadêmica sobre a legitimidade das intervenções. “Quem realiza o picho está atento a uma discussão social presente”, afirma a professora Elane. Em direção oposta, o aluno de Engenharia Civil, Vinícius Alves, enxerga a pichação como algo que não chama a atenção das pessoas que circulam pelo campus e pode até mesmo passar despercebido.
O professor André Freitas, diretor da DINFRA, afirma que sendo a pichação em espaço público uma atividade proibida por lei federal, a instituição deve cumprir a legislação. Buscando um modo legal de fazer com que as pessoas que picham se sintam representadas, a Diretoria de Infraestrutura possui um projeto desenvolvido com arquitetos para definir espaços legítimos para grafitagem. Ainda que exista uma notória distinção entre ambas as práticas, a instituição acredita que o grafite seja suficiente como espaço de voz para aqueles que possuem questões para levar a público.
O picho em “espaço reservado”
Qualquer pessoa que faça parte da comunidade acadêmica pode propor um projeto para um grafite e submetê-lo para análise, desde que exista um curador responsável pela criação e condições de custeio independente da criação, já que a instituição não financia os materiais necessários.
Ainda que com esta iniciativa a DINFRA evidencie alguma preocupação com a necessidade de expressão dos alunos, a autorização dessas manifestações rompe com princípios fundamentais do picho. “A universidade já baixou portarias que estabelecem espaços que são autorizados para esse tipo de intervenção, mas se o picho passa a ser legitimado ele deixa de ser picho, ele tem que ser subversivo, ele tem que reivindicar algum tipo de espaço que não é o estabelecido”, afirma Elane.
As opiniões sobre essa prática são divergentes. Algumas pessoas, como o aluno Vinícius, são a favor do grafite, mas acreditam que o picho suja o espaço da UFCA e que existem outros métodos das pessoas se comunicarem. Por outro lado, é fácil encontrar pessoas que atribuem grande importância à pichação, já que ela é a voz da pluralidade que habita os espaços públicos.
O planejamento das manifestações artísticas e estéticas na universidade carrega um caráter de uniformização e ordem para um espaço que é por excelência voltado para a diversidade, seja ela de discursos, trajetórias, crenças e causas. Ao diferenciar manifestações que são dignas de reconhecimento ou não a partir de sua natureza legal, o espaço institucional age de forma pouco articulada, acaba se mostrando como uma força da arbitrariedade e dificulta a coexistência da multiplicidade que compõe o universo acadêmico.
Mesmo com os debates envolvendo a pichação, essa prática continua sendo encontrada em muitos espaços do campus de Juazeiro do Norte da UFCA.