• Museus Orgânicos valorizam mestres da cultura do Cariri

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22 de agosto de 2019 por 

Por Marcello Nunes

As casas e oficinas de Mestres da Cultura da região vem se transformando em “museus vivos”. Por meio do projeto Museus Orgânicos dos Mestres da Cultura Tradicional do Cariri, além da visitação às casas, é possível conversar com os mestres. A iniciativa do Sesc-Ceará em parceria com a Fundação Casa Grande valoriza a tradição popular, o vínculo do mestre com o local e a troca de experiências com o visitante.

De acordo com Sérgio Magalhães, supervisor de cultura do Sesc-Ceará, a proposta do projeto é criar, em diferentes localidades do Cariri, 16 museus até o fim de 2019. “É orgânico porque o Mestre estará na sua casa para receber o visitante. Diferentemente do museu tradicional, onde as pessoas vão para ver as obras, lá os visitantes vão para ver o Mestre, conhecer um pouco da sua vivência e participar do cotidiano dele”, informa Sérgio.

Os dois primeiros museus a serem abertos estão localizados no município de Potengi. O primeiro homenageia o Mestre Antônio Luiz, que há mais de 30 anos está à frente do grupo Reisado dos Caretas de Couro, e o segundo o Mestre Françuli, um dos artesãos mais antigos e conhecidos da cidade, famoso pelo seu acervo de miniaturas de aviões, helicópteros, balões e objetos voadores no geral. Em Juazeiro do Norte, o único Mestre a receber o seu próprio museu orgânico foi Francisco Gomes Novaes, conhecido como Nena, apelido que traz desde a infância, e que há 10 anos toma a frente do grupo Bacamarteiros da Paz.

Os bacamartistas – como também são conhecidos – são grupos de homens, em sua maioria, que participam de festas juninas, festejos religiosos e até cerimônias políticas disparando tiros de pólvora de um bacamarte, arma de fogo usada durante a Guerra do Paraguai. “A gente se apresenta fazendo cortejo nas grandes festas que somos convidados”, explica Nena. Os grupos costumam ser acompanhados por uma banda, geralmente formada por um sanfoneiro, zabumbeiro e triangulista, que toca durante o desfile e as apresentações. “Tem várias músicas, tem dança, tem xaxado, tem poesia, tem tiro. É uma brincadeira boa e que só existe aqui.”

Mestre Nena, entretanto, não começou sua integração na cultura popular manejando o bacamarte. Participante das mais diversas atividades culturais há 56 anos, ele começou brincando de reisado com o Mestre Moisés no Sítio Malhada, no Crato, aos 12 anos. Ele só veio se tornar bacamartista quando já tinha filhos e netos, ao entrar no grupo de Bacamarteiros do Beato José Lourenço, parte da União dos Artistas da Terra da Mãe de Deus, ou Cia. Carroça dos Mamulengos. Uma vez que saiu da companhia, criou o próprio grupo e para pagar pelos bacamartes, teve que trabalhar quebrando e vendendo pedras até ter condições de pagar pelas armas e roupas de cangaceiro que usa para se apresentar atualmente.

A sua única intenção criando o grupo era apenas para dar continuidade a tudo que viveu na Carroça dos Mamulengos, para “brincar por brincar”, como prefere dizer, mas isso não o impediu de ser reconhecido por Dane De Jade, atual Secretária do Estado e gestora de cultura do Sesc-Ceará na época, de quem recebeu o título de mestre. “Quem me deu a oportunidade de ter esse nome de Mestre foi ela. Nasceu dela.”

 

Valorização da cultura

Nena recebeu o título de Mestre após se apresentar numa terreirada promovida pela Mostra Sesc e possui um grande apreço pela instituição por conta do apoio que dá à sua arte. Ele relata que, por mais que a Secretaria de Cultura consiga apresentações para o seu grupo, a quantidade de cidades que viajou a convite do Sesc é muito maior. “O Sesc chama mais a gente [para os eventos] do que a Secretária de Cultura. Se ela [a Secretaria] olhasse para a cultura igual o Sesc, os grupos daqui de Juazeiro, Crato, Barbalha, da região do Cariri, eram outra coisa.”

Nena conta que aceitou de primeira o convite para ser homenageado com um museu, embora tenha ficado surpreso. “Para mim foi gratificante, uma honra grande. Era uma coisa que eu não esperava porque Juazeiro tem muitos Mestres, mais velhos do que eu, e eu ter fui escolhido para ser o primeiro. Mas quando veio esse convite eu disse: ‘Aceito. Por que não?’ É um motivo de orgulho.” Entretanto, admite que seu plano não era abrigar o museu e a casa no mesmo espaço. “É algo que eu abracei, mas se eu pudesse eu teria comprado ou alugado outra casa e deixava o museu aqui para que ficasse uma história para ninguém mexer quando eu partisse dessa vida para uma outra.”

 

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