Com atuação no bairro João Cabral , em Juazeiro, o Reisado dos irmãos, projeto social não governamental, atua como forma de resistência política e manifestação criativa nas periferias
O Reisado dos irmãos Antônio, 62, e Raimundo Evangelista, 61 – mestres de cultura há mais de 25 anos – é responsável por acolher crianças em situações de vulnerabilidade social e econômica, inserindo-as em suas sedes para praticarem a cultura do reisado, com atividades como cantar, dançar, trabalho manual, tocar pita e zabumba. Organizado no CRAS (Centro de Referência e Assistência Social), unidade João Cabral, os mestres levaram para a comunidade uma narrativa de resistência para contrapor o grande índice de criminalidade, trazendo para o bairro o título de “celeiro da cultura”.
Os brincantes promovem a oportunidade de amenizar a criminalidade e buscam garantir o direito à cidadania, educação, inclusão e sobretudo à cultura – A gente se apaixonou muito por aquelas crianças e hoje a gente tem esse bairro dentro do coração, conta Antônio.
Quem conhece o João Cabral se depara com a vasta riqueza cultural e o acolhimento da população diante dos modos de cultura que nele existem, como danças, tradições populares, cultura das calçadas, projetos sociais e práticas religiosas de matriz africana. No entanto, por ser um bairro periférico, problemas como a violência, pobreza e falta de infraestrutura, levaram o bairro a se popularizar como periculoso, sinônimo de criminalidade e marginalidade.
Contudo, personagens atuantes na cultura do reisado ressignificam espaços e a vida de pessoas que habitam o território. Alguns desses atores comunicacionais de resistência, buscam na arte popular periférica uma saída para mudar realidades, são eles, os mestres de reisado; Antônio Evangelista e Raimundo Evangelista.
Os brincantes do reisado, através de seus trabalhos com crianças, jovens, adultos, interseccionam raça, classe e território, que podem contar histórias do bairro que ainda não conhecemos, e principalmente, revelar que a periferia está desvinculada dos estereótipos que vêm da mídia ou sociedade, afim de comunicar uma nova visão para o bairro e trazer visibilidade para as localidades socialmente prejudicadas da região do Cariri.
– Hoje o bairro se tornou celeiro da cultura, mas ele é considerado perigoso, porém quando chegamos aqui era um bairro calmo, mas a população foi crescendo, vindo de outros bairros, até se tornar um bairro perigoso. Até hoje a gente não tem inimigo, a gente faz amizade com os traficantes, faz amizade com todo mundo” conta mestre Antônio.
Por meio da identidade visual, danças e vestimentas, estética corporal, música, linguagem e cultura, a arte do reisado expande seu território, trazendo uma narrativa de igualdade, e traça novos caminhos para crianças e jovens sem perspectiva de futuro. Através do diálogo e da convivência, o grupo dos irmãos demonstra seu papel fundamental no cotidiano da comunidade: o desenvolvimento da cultura – “ a cultura é a coisa mais importante, tanto pra mim como para minha família”, revela mestre Raimundo.
Antônio conta que o reconhecimento da população de Juazeiro é muito importante para eles – O nosso grupo é bem visto dentro, não só no João Cabral, mas como em todos os outros bairros dentro das ruas de Juazeiro. A população chega a cobrar a gente quando o grupo não sai na rua no dia de reis, são muitas pessoas, pra mais de 3 mil.
Os irmãos que fazem esse trabalho há mais de 20 anos, revelam que ainda é preciso de um incentivo governamental para que seus recursos aumentem e mais pessoas da comunidade possam ser atendidas.
– É muito importante que o nosso governo crie mais projetos para que a gente possa levar esse projeto para dentro da nossa sede, para acolher muitas crianças, como a gente já acolhe, fazendo trabalhos com elas, conta Antônio.
Através da cultura, a ressignificação urbana, garante o direito e a liberdade de seu uso como espaço de representatividade das minorias. Assim, abordar a região periférica da cidade, fez Antônio refletir sobre as relações de poder entre os espaços marginais e hegemônicos que se fazem presente no Juazeiro – “onde existe a força existe a união, o celeiro da cultura e o nosso grupo Reisado dos Irmãos é formado por essa força e resistência” completa.