Para analistas, a culpa dos altos valores vai além do debate em torno do ICMS. Dentre os principais afetados pela crise, estão os trabalhadores do setor informal e a população mais vulnerável.
Uma reportagem de Guilherme Carvalho e Gabriela Bernardo.
Pelo menos 3 regiões do Brasil apresentam o litro da gasolina comum sendo comercializado a mais de R$ 7. É o que indica um levantamento feito pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), no último sábado, 28. O estudo abordou 4.518 postos de combustível entre os dias 22 e 28 de agosto.
De acordo com a ANP, o preço médio do combustível no Brasil é de R$ 5,98 por litro. O valor mais elevado foi identificado na estado do Rio Grande do Sul, onde o combustível é vendido a R$ 7,21. O índice é seguido pela região Norte, onde o estado do Acre apresenta o litro do combustível sendo vendido a R$ 7,13. Já no estado do Rio de Janeiro, a gasolina pode ser encontrada nas bombas cariocas a R$7,05.
No Nordeste, a ANP pesquisou os valores referentes a 792 postos de combustível. A gasolina é comercializada a um valor médio de R$ 6,02, tendo máxima registrada a R$ 6,79, no estado do Alagoas, e mínima encontrada no Rio Grande do Norte, a R$ 5,92.
Na pesquisa, 200 postos cearenses foram consultados. A capital Fortaleza apresenta o valor mais reduzido, com uma gasolina sendo vendida a R$ 5,67. Já o município de Crateús apresenta o valor mais elevado: R$ 6,42. O valor médio da gasolina comum no Ceará é de R$ 5,98.
Os valores elevados fazem parte de uma alta que vem sendo registrada ao longo do ano de 2021. De acordo com dados da ANP, o valor médio da gasolina comum no Brasil subiu 25% apenas nos 6 primeiros meses do ano. Em janeiro, o litro era vendido a R$ 4,62. Em julho, no entanto, o valor alcançou R$ 5,80.
Os motivos que explicam a recorrente alta nos preços cobrados ao consumidor são diversos. A elevada de preços permanece mesmo após políticas de redução de valor serem adotadas pela Petrobrás. Em Junho, a estatal aplicou uma queda de 1,9% no valor dos combustíveis comercializados nas refinarias de petróleo. Então, neste cenário, como é possível explicar a alta nos combustíveis, se não há reajustes nos preços cobrados nas refinarias? Na avaliação do consultor da área de petróleo e gás, Bruno Iughetti, os altos valores são influenciados, entre outros fatores, por uma questão de oferta e demanda ocasionada pela pandemia da covid-19.
A ANP realiza um monitoramento semanal nos postos de gasolina com o objetivo de identificar as variações no valor dos preços dos combustíveis. No triângulo Crajubar, perímetro formado pelas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, no interior cearense, 19 postos são observados. São 10 na cidade de Juazeiro do Norte, e 9 no Crato. Em pesquisa realizada entre os dias 22 a 28 de agosto, o preço médio da gasolina encontrado em Juazeiro foi de R$ 6,13, tendo máxima de R$ 6,19, e mínima de R$ 6,04. Já no Crato, os valores são semelhantes: média de R$ 6,14, máxima de R$ 6,27 e mínima de R$ 6,19.
Nas duas cidades, o valor mais elevado foi observado no bairro São Miguel, no Crato. O posto M.T.M Petróleo LTDA, na Avenida Padre Cícero, apresenta o valor de R$ 6,27 pela gasolina. Na contramão, o valor mais baixo foi encontrado no posto B&c Comercio de Derivados do Petróleo LTDA, localizado na Avenida Coronel Humberto Bezerra, próximo ao aeroporto de Juazeiro do Norte. A distância entre os dois estabelecimentos é aproximadamente 11 km, mesmo estando localizados em municípios diferentes.
O padrão de valores ofertados aos consumidores pelos postos de combustível segue o regime de liberdade de preços que vigora por lei desde janeiro de 2002. A legislação delimita os valores em todos os segmentos do mercado de combustíveis e derivados de petróleo. Isso explica, por exemplo, o porquê estabelecimentos que, embora próximos, apresentam preços diferentes pelo mesmo produto. “É uma questão de concorrência entre os postos”, explica Bruno Iughetti.
Nas últimas semanas, o alto preço da gasolina virou pauta de um embate entre o Governo Federal e os governadores. De um lado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) acusa os governantes estaduais de cobrarem um alto valor pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Segundo ele, esse é o principal motivo do elevado preço da gasolina e do diesel. Bolsonaro argumenta que, uma vez que o imposto fosse reduzido, o preço também recuaria.
Por outro lado, governadores argumentam que a responsabilidade é inteiramente do Governo Federal. No Ceará, por exemplo, o governador Camilo Santana (PT) usou as redes sociais no último dia 24 para responsabilizar Bolsonaro pelos preços elevados. Em uma transmissão ao vivo, Camilo afirmou que “alta da gasolina é culpa de Bolsonaro e Petrobras” e que o presidente usa de “inverdades” para se livrar do problema.
No Brasil, as alíquotas do ICMS se mantém estáveis entre 25% a 34% à depender do estado, ou seja, não apresentam mudança que justifica a alta dos preços, como argumenta Bolsonaro. A comercialização do petróleo no mercado internacional é atrelada ao preço do dólar. Por conta disto, a alta do dólar e desvalorização do real podem ser consideradas um dos principais parâmetros para a variação de preços da gasolina nas bombas do Brasil. Até o último dia 25, por exemplo, a moeda americana acumulava uma alta de 0,46% sobre o real apenas em 2021. Ainda em março, a alta registrada foi de 11%.
No Ceará, a taxa do ICMS gira em torno de 31% (29% de imposto + 2% do fundo de pobreza). Para Bruno Iughetti, uma possível alternativa para a redução no valor final da gasolina seria diminuir o valor da pauta dos combustíveis, que é o preço médio que serve de referência para a cobrança do ICMS. “O ICMS representa o maior impacto em cima do preço do combustível. O relacionamento do Governo Federal com o Governo Estadual é em busca de entendimento, isso é mais do que necessário, pois não podemos tomar medidas que não tenham, também, um viés político. A alternativa melhor seria aplicar o valor do ICMS em cima do preço da refinaria. Seria uma cobrança monofásica”, explica.
Impactos no dia a dia
As recorrentes altas nos valores dos combustíveis, além de afetar o consumidor final, que abastece o veículo diariamente, têm influência em toda cadeia produtiva e econômica do país. Isso é explicado porque todos os insumos dependem de combustíveis para sua produção. Além disso, questões de logística, como o transporte de mercadorias, são diretamente afetadas.
As relações de trabalho também mudam. Exemplo disto é a alta taxa de abandono nos postos de trabalho informal, como no caso dos motoristas de aplicativo. No último dia 11, motoristas da região do Cariri ameaçaram paralisar suas atividades por conta dos altos preços de combustíveis e pela falta de ajuste na tarifa das corridas repassadas aos motoristas. O presidente da Associação dos Motoristas e Motoentregadores de Aplicativo do Cariri, Jonathan Souza, explica que os reajustes não acontecem há mais de 3 anos.
Outro setor que sente os impactos das altas dos combustíveis é o mercado alimentício. De acordo com a Central de Abastecimento do Ceará (CEASA), o mercado de frutas e hortaliças registrou um aumento que variou de 30 a 40% à depender do produto. O analista de mercado da Ceasa Cariri, Odálio Girão, afirma que os preços dos alimentos elevam-se de maneira simultânea ao preço dos combustíveis, por questões logísticas de transporte e armazenamento.
Gás de cozinha em alta
Ainda de acordo com informações da ANP, o preço do Gás liquefeito de petróleo (GLP), mais conhecido como gás de cozinha, também apresenta altos valores ao consumidor. Na maior cidade da região do Cariri, Juazeiro do Norte, a agência monitora 10 distribuidoras de gás. O botijão de 13kg é comercializado a um valor médio de R$ 100,30. O valor mínimo encontrado foi de R$ 96 e o valor máximo foi de R$ 101. O valor elevado pelo botijão de gás acende um sinal de alerta para o desabastecimento nas residências mais populares. Por conta disto, o assunto também virou pauta de cobrança ao Governo Federal. No último dia 29, o presidente Jair Bolsonaro pediu que os consumidores comprem o produto diretamente das distribuidoras, eliminando a alíquota do ICMS dos estados.
“Como eu gostaria que cada governador zerasse o ICMS do estado. Criar um vale-gás. Se zerar o ICMS, vai ser excelente. Logo poderíamos tratar da venda direita do botijão, a exemplo do etanol. Você pode pegar o seu caminhãozinho na tua comunidade e compraria 100 botijões. O frete do caminhãozinho cada um pagaria no condomínio. Margem de lucro seria zero para quem for entregar, já que é um trabalho comunitário” disse o chefe do Executivo.
No Ceará, a política pública do vale-gás é mantida pelo Governo do Estado desde o começo da pandemia da covid-19, em março de 2020. O auxílio é destinado à famílias cearenses cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Na semana passada, o governador Camilo Santana anunciou que o benefício deverá ser convertido em um auxílio permanente.