Matrículas na educação especial chegam a mais de 5.500 mas faltam profissionais capacitados
A demanda por Atendimento Educacional Especializado (AEE) cresceu na região do Cariri, especialmente nas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha (Crajubar), nos últimos cinco anos. As escolas públicas da região, entretanto, ainda necessitam de cuidadores e profissionais qualificados.
Por Alex Leone, Evelyn Alencar e Viviane Sousa
O número de matrículas na educação especial nas escolas públicas do Brasil tem crescido de forma constante a cada ano. Em 2023, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e do Ministério da Educação (MEC), o país registrou 1.771.430 matrículas no Atendimento Educacional Especializado (AEE), que inclui estudantes com deficiência intelectual, Transtorno do Espectro Autista (TEA), deficiência física, baixa visão, deficiência auditiva, superdotação, surdez, cegueira e surdo-cegueira. Deste total, 62,9% estavam no ensino fundamental, 16% na educação infantil e 12,6% no ensino médio.
De acordo com os dados do censo da educação básica, a Região Metropolitana do Cariri, nos últimos 5 anos (2019-2023) registrou um aumento de 67,7% nas matrículas da educação especial, em 2023, os números foram de 2.022 em Crato, 2.528 em Juazeiro do Norte e 965 em Barbalha.
No Brasil, ainda segundo dados do censo da educação básica, a inclusão de alunos em classes comuns atingiu 95% das matrículas na faixa etária de 4 a 17 anos em 2022, um aumento em relação aos 94,2% de 2022. Na região do Crajubar, esse número cresceu de 3.288 em 2019 para 5.455 em 2023, um aumento de 65,5%.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, foi promulgada em julho de 2015 (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015) com o objetivo de garantir, em condições de igualdade, o pleno exercício dos direitos e das liberdades fundamentais das pessoas com deficiência. Dentre esses direitos, destaca-se o acesso à educação. O Artigo 27 da lei assegura às pessoas com deficiência a inclusão no sistema educacional em todos os níveis, promovendo o aprendizado ao longo de toda a vida.
Cuidadores e profissionais capacitados no AEE
A presença de profissionais capacitados em sala de aula para acompanhamento de alunos neurodivergentes e portadores de deficiência é de grande importância, principalmente para o desenvolvimento educacional e inclusão desses grupos. De acordo com o censo escolar de 2023, a quantidade de docentes da educação especial é de 1.599 em Crato, 3.010 em Juazeiro do Norte e 752 em Barbalha.
Além dos docentes, a secretaria de educação (Seduc) de Juazeiro do Norte informou que existem, na rede municipal de educação pública, cerca de 500 cuidadores distribuídos nas escolas do município, e vem trabalhando diuturnamente para fornecer atividades que garantam a aprendizagem.
Para Joana Darc Duarte, professora da rede municipal com especialização em Atendimento Educacional Especializado (AEE) em Juazeiro do Norte, os cuidadores desempenham um papel essencial na vida das crianças com deficiência, oferecendo suporte emocional, proporcionando um ambiente seguro e acolhedor, além de conhecerem as necessidades específicas de cada criança, adaptando os cuidados de acordo com a individualidade e colaborando com os professores no desenvolvimento da aprendizagem. Sobre os desafios na educação inclusiva, ela afirma: “A capacitação dos professores da sala regular seria fundamental para que possam trabalhar a diversidade e atender as necessidades individuais de cada aluno.”
Josimário Alves Pereira, 24 anos, é professor e cuidador em Barbalha. Para ele, os maiores desafios da educação inclusiva estão relacionados à falta de apoio do governo, à carência de capacitação para os professores e à infraestrutura inadequada. Ele também destacou a importância do atendimento especializado: “É essencial para que as crianças desenvolvam suas habilidades cognitivas e tenham uma inclusão mais efetiva como pessoa.”
A gerente de Educação Inclusiva, da Secretaria de Educação de Barbalha, Raquel Nogueira, destacou em entrevista que o município conta atualmente com 620 cuidadores e auxiliares dedicados ao atendimento diário dessas crianças. Embora ainda seja um desafio, esse número representa um avanço significativo, já que, inicialmente, a cobertura era inferior a 60%.
Cuidadores despreparados impedem o desenvolvimento cognitivo de estudantes neurodivergentes
“Muitas vezes quando o menino tá agitado, em vez de elas mesmo fazerem o trabalho delas, levar, dar uma voltinha no pátio, não, elas filmam a criança no momento que a criança está em crise e liga para a gente vir buscar. Se já tem o cuidador, o cuidador é para fazer essa parte, entendeu?”. A criança é o filho de Cícera Pereira da Silva, mulher de 41 anos, moradora de Barbalha. O despreparo dos cuidadores, atestado por Cícera, é desafiador para filho e mãe: ele, exposto, filmado e sem adesão à relação essencial de confiança que deve existir entre cuidador e estudante para que o aprendizado aconteça, como explica Ademárcia Costa, docente e doutora em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ela, refém da atenção pública possível aos dois filhos, uma vez que ela é mães de outro estudante neurodivergente.
Fabíola, também residente de Barbalha e mãe de dois filhos autistas, destaca que, embora receba apoio no Atendimento Educacional Especializado (AEE), percebe uma falta de suporte adequado para os professores da rede de ensino especializado. Ela também ressalta a necessidade de adaptações nas atividades escolares para melhor atender os alunos com necessidades especiais.
Ana Paula, residente em Juazeiro do Norte e mãe de Arthur, de 8 anos, que possui deficiência intelectual e autismo, compartilha sua experiência com o atendimento educacional especializado e os cuidadores nas escolas. “Meu filho estuda em escola pública e tem cuidador. Dependendo da deficiência, o cuidador não fica o tempo todo com a criança, mas, no caso do meu filho, ele precisa, então a cuidadora fica o tempo todo com ele e também frequenta a salinha do AEE”, explica.
No entanto, Ana Paula observa que algumas escolas não oferecem atendimento AEE e, mesmo nas que oferecem, como a que Arthur estuda, considera o serviço pouco desenvolvido. Ela avalia que os cuidadores são fundamentais, especialmente para crianças como seu filho, que não têm condições de ficar sozinhas, mas acredita que muitos não estão adequadamente preparados, seja por falta de instrução ou acompanhamento. “Às vezes, eles restringem a criança, e isso não ajuda no desenvolvimento dela.” Ana Paula também ressalta a diferença entre a estrutura das creches e das escolas públicas, comentando que, enquanto na creche havia duas professoras, na escola atual há apenas uma, possivelmente devido à alta demanda. “A sala deveria ser mais estimulante, mas não vejo isso. Muitas vezes, a criança fica lá por apenas 5 ou 10 minutos porque se sente presa e desmotivada. Acho tudo muito vago”, conclui.
Apoio da rede pública é fundamental para educação na AEE
Cicera Aurifrança, assistente social no município de Barbalha, destacou a importância do apoio dos profissionais da área nas escolas públicas, enfatizando a relevância de considerar tanto os aspectos emocionais quanto sociais no ambiente escolar. Aurifrança explica que os assistentes sociais atuam como mediadores entre as demandas específicas de estudantes, suas famílias, a escola e a comunidade, criando um ambiente mais inclusivo e acolhedor. Nesse contexto, políticas públicas direcionadas a esses estudantes contribuem para um ambiente mais propício ao desenvolvimento das habilidades cognitivas e à inclusão social.
Ao ser questionada sobre o papel da escola e de sua rede de apoio, a assistente social afirma: “O trabalho em equipe multidisciplinar é fundamental para criar um plano de apoio eficaz para estudantes atípicos, respeitando suas especificidades e promovendo seu desenvolvimento integral.”
Sobre a função do assistente social nas escolas, ela acrescenta: “O assistente social desempenha um papel articulador nesse processo, garantindo que diferentes perspectivas e conhecimentos sejam integrados em prol do bem-estar do estudante.”
Aurifrança explica que uma equipe multidisciplinar para a atenção especial na educação pode ser composta por assistente social trabalhando junto a psicólogos, professores e outros profissionais para identificar as necessidades sociais, emocionais e pedagógicas dos estudantes, considerando aspectos como o contexto familiar, socioeconômico e cultural.
Além disso, o assistente social analisa os aspectos sociais, familiares e comunitários que impactam o estudante, propondo estratégias para superar esses desafios. “Ao ser elaborado um plano integrado, com metas claras e responsabilidades compartilhadas entre os profissionais, o assistente social monitora a execução do Plano de Desenvolvimento Individual (PDI), ajustando as estratégias conforme necessário para otimizar os resultados”, conclui.